quinta-feira, 24 de abril de 2014

Degenerescência: A perda da essencialidade



 
 Um bom café da manhã com Ricardo Quadros Gouvêa:

Uma igreja é uma família da fé que reproduz em seu microcosmo a realidade social. Numa família encontramos pessoas de todo tipo: abastadas e necessitadas, cultas e incultas, jovens e idosas, e com preferências distintas. Assim é em uma igreja saudável, e isso nos ensina a sermos respeitosos e pacientes uns com os outros. Martin Buber alerta: “Quando amamos somente aqueles que se parecem conosco, não amamos ao próximo, mas antes a nós mesmos refletidos no próximo”

Qualquer igreja com mais de mil membros corre sérios riscos de degenerescência, de perda das características que determinam sua existência como comunidade cristã. O ideal hipermoderno de igrejas grandes e poderosas deve dar lugar ao resgate do valor das eclesiais em que a preocupação não é numérica ou financeira, mas humana e espiritual. A boa igreja não é aquela que nos proporciona um bom “show” dominical, impessoal e superficial, mas aquela onde encontramos a nutrição espiritual da comunhão fraternal com os que sabem nosso nome, onde todos são iguais, não por causa de uma estratégia secular, mas porque todos, apesar das diferenças, se amam e se respeitam, e tem em Cristo como o cabeça, e nós somos diferentes órgãos (1Co 12). 

Os maiores expoentes da espiritualidade cristã foram todos sofredores. No século quatro, Antão vivia numa caverna, miserável, considerado louco, mas venerado por sua santidade. Francisco de Assis, humilhado pelos cardeais e papas, morreu aos 44 anos e é visto por muitos como o maior discípulo de Cristo que já viveu. Juliana de Norwich nunca teve posses, foi considerada herege e, depois, aclamada como sábia. David Brainerd, o missionário americano que abandonou tudo para pregar o evangelho aos nativos de seu país, morreu aos 29 anos e deixou um diário de meditações que até hoje nos comove. José Manoel da Conceição, o padre protestante, que não viajava a cavalo, mas a pé e às vezes descalço, morreu como um indigente aos 51 anos, incompreendido pelos missionários. Homens de Deus, mas totais fracassos na cidade terrena onde o que conta é a fama, o lucro, as posses, o poder, a saúde, o sucesso, a longevidade e a aparência física.

Isso vale também para as igrejas que querem ser como empresas bem-sucedidas: a busca do sucesso mundano sancionado por uma falsa fachada de sacralidade. Mefistófeles promete de novo a Fausto a felicidade em troca de sua alma. Vender-se ao “espírito” mercadológico do nosso tempo, em que impera o maquiavelismo, é vender a alma, abandonando princípios e valores que, para um cristão, são inegociáveis.

Sem comentários...

Um dia de evangelho simples, como deve ser.

• Ricardo Quadros Gouvêa é ministro presbiteriano e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Seminário Teológico Servo de Cristo.

Um comentário:

  1. Como vc mesmo encerra a meditação: sem comentários! Disse quase tudo.

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